terça-feira, 15 de julho de 2008

Eros e Psiquê


Seria impossível a linda história de Eros e Psiquê passar batida.

Num belo dia de outono na Grécia, as pessoas deixaram de prestar culto regular a deusa da divina beleza Afrodite. Abandonaram seu santuário para admirar a extraordinária formosura de uma simples mortal: Psiquê (alma). Menosprezada pelos homens, que preferiam homenagear uma beldade humana, Afrodite teve um acesso de raiva. E para vingar-se, pede a seu filho Eros (amor) que use suas flechas encantadas e faça Psiquê apaixonar-se pela criatura mais desprezível do mundo.

Eros parte para cumprir sua missão. Mas a beleza de Psiquê era tão grande, que ao vê-la, Eros distrai-se e fere-se com uma de suas próprias flechas. Vítima do encantamento em que enredava deuses e mortais, o deus feriu-se de amor. Apaixonado, nada disse à sua mãe; apenas limita-se a convencê-la de que finalmente estava livre da rival. Ao mesmo tempo que oculta seu sentimento, torna Psiquê inatingível aos mortais terrenos.

Embora todos os homens a admirem, nenhum por ela se apaixona, e apesar de infinitamente menos belas, suas irmãs logo se casam com reis. Psiquê, amada por Eros sem que o saiba, a ninguém ama. E porque é uma beleza humana cobiçada por um deus, permanece só. A solidão de Psiquê preocupou tanto seus pais, que foram então consultar o oráculo de Apolo, afim de buscar auxílio. Entretanto Eros já havia tornado Apolo seu aliado em sua conquista amorosa.

Assim para ajudar Eros, Apolo ordenou aos pais da princesa que a vestisse em trajes nupciais, que do alto de determinada colina uma serpente alada e medonha, mais forte que os próprios deuses, iria torná-la mulher. Embora a revelação do oráculo fosse terrível, o rei e a rainha nada mais poderiam fazer senão cumprir o que fora determinado.

Deixaram-na sozinha na colina, aguardando corajosamente seu triste destino. Mas a espera é tão longa que Psiquê logo adormece. E até ela chega a suave brisa de Zéfiro, que a transporta para uma planície coberta de flores. Perto correm as águas claras de um regato e mais adiante ergue-se um magnífico castelo. Ao despertar, Psiquê ouve uma voz que a convida a entrar no castelo, banhar-se e depois jantar.

No interior do castelo, não encontra ninguém, mas sente-se como se estivesse sendo observada. E no jantar doce música a envolve, mas continua só. No íntimo, porém, pressente que, à noite, chegará o esposo que lhe fora prometido, a terrível serpente alada.

Realmente, ao anoitecer, chega até ela Eros, protegido pela escuridão. Psiquê não pode ver-lhe o rosto; mas não sente medo, porque seu temor é banido pelas palavras apaixonadas e pelas ardentes carícias do deus.

Durante algum tempo Psiquê entregou-se ao amante velado e mesmo sem ver sua face , dedicava-lhe intenso amor. Numa de sua visitas noturnas, Eros lhe faz uma advertência: que se precavesse contra uma desgraça que lhe poderia advir por intermédio das irmãs, que pranteavam-na onde fora deixada e do mesmo modo acrescentou, para evitar a desgraça, não deveria ela jamais tentar ver o rosto do amado.

A princesa embora prometesse ambas as coisas, deixou-se arrastar pela tristeza e pela saudade. E tanto chorou e pediu, que Eros consentiu na visita das jovens. Todavia, esclareceu: reaproximando-se delas, Psiquê estava reatando laços terrenos e constituindo seu próprio sofrimento. Depois, mais uma vez, fê-la prometer o que era de tudo o mais importante: jamais tentaria ver-lhe o rosto.

No dia seguinte, Zéfiro levou as irmãs de Psiquê ao palácio. De início foram só as alegrias do reencontro. Às perguntas das jovens sobre o marido, porém, a princesa respondeu com evasivas. Aos poucos, o sentimento das irmãs em relação a Psiquê foi mudando. Antes choravam supondo-a infeliz; depois, partiram invejosas de sua felicidade. E resolveram vingar-se. Retornando ao castelo por permissão de Eros, dessa vez movidas pela inveja, elas ardilosamente fizeram com que a desconfiança surgisse no coração de Psiquê.

Percebendo por suas contradições que ela não sabia realmente quem era seu marido, como então poderia estar segura de que não era o monstro descrito pelo oráculo de Apolo? E, se era realmente belo o jovem, por que se ocultava nas sombras da noite? Invadida pela dúvida e temor, Psiquê acabou aceitando o conselho maldosamente planejado pelas irmãs: deveria preparar uma lâmpada e uma faca afiada: com a primeira, explicaram as moças, poderia ver o rosto do esposo; com a segunda, matá-lo se fosse o monstro.

À noite, retorna Eros, ardente e apaixonado como sempre. Enquanto se entrega ao amor, Psiquê esquece o próprio medo e a dúvida, mas depois, quando Eros adormece, a incerteza volta a invadir-lhe o coração. Silenciosa, apanha a lâmpada e ilumina o rosto do esposo. E detém-se deslumbrada: não é um monstro, pelo contrário, é o mais belo ser que jamais poderia ter existido. Arrependida e em êxtase, derruba sem querer uma gota do óleo quente da lâmpada no ombro do amado. Ele desperta, sobressaltado, e percebe o acontecido. Com profunda tristeza, Eros vai embora. E tentando alcançá-lo Psiquê apenas ouve-lhe ao longe na escuridão: "O amor não pode viver com desconfiança."

Eros volta para junto da mãe, pedindo-lhe que cure seu ferimento no ombro. Mas ao contar o que ocorreu, Afrodite percebe que foi enganada e passa a alimentar apenas um pensamento: encontrar a rival e vingar-se.

Abandonada e em desespero, Psiquê põe-se a percorrer o mundo em busca do amor perdido e de templo em templo pede ajuda dos deuses. Sem conseguir auxílio, Psiquê vai à presença da própria Afrodite, na esperança de encontrar com ela seu amado Eros. Mas junto à deusa, encontrou apenas zombaria, e a imposição de uma série de provas humilhantes.

A primeira tarefa consistia em separar, até a noite, imensa quantidade de grãos miúdos de diversas espécies. Parecia ser impossível cumpri-la no prazo estabelecido. Mas tão grande era o sofrimento de Psiquê, e tão angustiado seu pranto, que despertou a compaixão de formigas que passavam no local. Elas rapidamente separaram os grãos por espécies, juntando-os em vários montículos.

A primeira tarefa estava cumprida, o que deixou Afrodite ainda mais irritada. Ordenou-lhe que dormisse doravante no chão, alimentando-se apenas de alguns pães secos. Esperava assim acabar com a beleza que lhe arruinara os cultos.
A segunda tarefa veio no dia seguinte: deveria ir a um vale cortado por um regato e lá tosquiar os terríveis carneiros do sol que pastavam. A lã desses carneiros era de ouro, e um pouco dela a caprichosa Afrodite desejava para si. Quando já estava exausta de tanto andar e a ponto de suicidar-se, nesse instante de hesitação entre a procura e a morte, Psiquê ouviu uma voz vinda dos caniços à beira do regato: "Não era necessário enfrentar os terríveis carneiros para tentar tosquiá-los, disse a voz; bastava esperar que eles saíssem das touceiras de arbustos espinhosos, quando fossem beber água: nos espinhos ficariam presos alguns fios de lã que poderiam ser facilmente apanhados."

Não satisfeita por mais uma tarefa cumprida, Afrodite incumbiu-a de uma terceira tarefa e ainda mais complicada: teria de subir a cascata que provinha da nascente do rio Estige e trazer à deusa um frasco contendo um pouco daquela água escura. As pedras que davam acesso à cascata eram íngremes e escorregadias, e a queda da água era extremamente violenta. Impossível satisfazer a exigência de Afrodite. Só se pudesse voar Psiquê realizaria a tarefa. Estava já disposta a desistir, quando surgiu uma águia, que lhe tirou o frasco da mão, voou até a fonte e apanhou uma porção do líquido negro.

A água do Estige, porém, não saciou em Afrodite a sede de vingança. Psiquê deveria ainda executar uma Quarta e difícil tarefa: ir ao Hades, persuadir Perséfone a colocar numa caixa um pouco de sua beleza. Como pretexto, diria à rainha dos Infernos que Afrodite precisava dessa beleza para recuperar-se das longas vigílias à cabeceira do filho doente.

Psiquê partiu, procurando o caminho dos Infernos. Já havia andado muito e sentia-se perdida, quando uma torre , apiedada de sua aflição, ofereceu-se para ajudá-la. Minuciosamente descreveu-lhe todo o itinerário que levava ao reino de Perséfone, mas lhe fez um alerta: "você encontrará pessoas patéticas que lhe pedirão ajuda, e por três vezes terá que escurecer seu coração à compaixão, ignorar seus apelos e continuar. Se não o fizer, permanecerá para sempre no mundo das trevas.

Psiquê fez tudo o que lhe indicou a torre, e assim conseguiu chegar à presença de Perséfone. Solícita, a rainha dos mortos atendeu ao pedido da jovem e entregou-lhe a caixa solicitada por Afrodite.

Sendo instruída quanto ao caminho de volta, o retorno ficara mais fácil para Psiquê, mas estava longe ainda a hora de recuperar o amor. A próxima prova por que passaria Psiquê não lhe foi imposta pelo ciúme de Afrodite, mas por sua própria vaidade. Temendo que tantas atribulações a tivessem tornado feia, não queria perder o amor de Eros. A tentação foi grande. E Psiquê não resistiu: no meio do caminho, abriu a caixa. Para sua surpresa nada encontrou. Mas tamanho sono a tomou, que ali mesmo caiu, adormecida, como se estivesse banhada pela beleza da morte.

Enquanto dormia, Eros, curado de sua ferida, abandonava a mansão materna em busca da amada. Vagou por toda a parte, até que finalmente a encontrou deitada ao relento.

Aprisionou o sono que pesadamente lhe cerrava os olhos e recolocou-o na caixa. Em seguida despertou-a docilmente com a ponta de uma de suas flechas. Com grande meiguice chamou sua atenção pela curiosidade que a fizera abrir a caixa. Depois mandou-a entregar a encomenda a Afrodite, como se nada tivesse acontecido.

Terminadas as provações de Psiquê, que recuperara o amor. Para que nada mais acontecesse à amada, Eros dirigiu-se ao Olimpo para pedir a Zeus que o unisse em casamento à bela jovem. Mas para atendê-lo era necessário que a princesa recebesse o dom da imortalidade. Hermes foi buscar Psiquê e levou-a à presença dos deuses. O próprio Zeus deu-lhe de beber a ambrosia, que lhe conferiu a imortalidade. Depois declarou-a oficialmente esposa de Eros.
Impotente tornara-se o ciúme de Afrodite. Psiquê agora era imortal e estava unida para sempre a Eros. Nada mais podia separá-los. Dessa união nasceu Volúpia.

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