REENCONTRO
Havia semanas que algo não saia de sua cabeça: o reencontro da turma do colégio. “Todos vão estar lá, você nem pense em não ir, até a Marília vai estar lá”. Até nada demais, se não fosse a última parte “–... até a Marília vai estar lá”. Não pensava em Marília há muito tempo. Nem se lembrava mais dela, por que diabos tinham que fazer aquela bendita reunião?
Marília e ele se conheceram no primeiro ano do ensino médio, e foram grandes amigos durante todo o restante do período escolar. Mas só amigos? Talvez nem eles pudessem nos responder com precisão. O que todos sabiam é que ambos não se afastavam nem na hora de castigo: “Saia da sala Marcelo, se não quer se comportar, então não faz sentido você estar aqui, desça e só volte depois do intervalo”, mal dito isso, sem nem ao menos olhar para a professora, lá ia a Marília acompanhando o seu companheiro – acho que era isso mesmo, companheiro, essa talvez seja a melhor palavra a ser usada.
Mas agora, dez anos se passaram. Perderam o contato um com o outro. O passar dos anos fez com que fossem esquecidas as aventuras da juventude, o companheirismo. Uma viagem de urgência de sua família, fez com que Marília se separasse dele. Iria deixar Marcelo sem nem ao menos uma despedida decente. Nem ao menos um “adeus” no aeroporto.
Uma saudade ressurgira Deus sabe de onde. Um sentimento que, para qualquer outra pessoa que se colocasse a par da história, seria mais do que amizade, seria um espécie de amor reprimido, não declarado. Mas talvez nem um nem outro percebesse esse sentimento. Ou talvez não quisessem admitir nem pra eles mesmos.
O dia do encontro chegou. Ele parecia nervoso, pra não dizer, no mínimo, curioso. Curioso em saber o que teria feito sua amiga por todos esses anos de separação. Teria terminado a faculdade? Teria casado? Tido filhos? Estaria bem financeiramente? Teria pensado nele nesses últimos anos...?
Algumas caras conhecidas começam a surgir, outras nem tanto. Quem seria aquele sujeito gordo ao lado da mulher loira? Teria estudado com ele ou com a loira? Seria muito difícil responder. Sorrisos por todos os lados, muitas das pessoas ali não queriam admitir, mas mal se conheciam na época da escola, e tentar recuperar as memórias do passado seria inútil, talvez até hipocrisia.
Quase quarenta minutos depois, a grande maioria dos presentes ali já estava íntima novamente. Relembravam apelidos do colegial, pequenas diversões nada convencionais do ponto de vista da “ordem e bons costumes”. E nada da Marília chegar. Foi quando ouviu, ao passar por duas conhecidas – mais uma vez, acho que essa é outra palavra bem escolhida – do colégio: “Viu a Marília? Ta linda...”. Foi como um baque. Não a viu, mas só em ouvir seu nome algo despertou em sua cabeça – ou no coração? Passou o olhar por todos os lados, será que não teria percebido quando ela havia chegado? Talvez fosse na hora em que teria ido aos fundos ajudar com a bebida.
Já havia quase cansado de procurar por sua amiga – seria ainda válido chamar de companheira? – Quando um leve toque no ombro o despertou. “Oi”. Era ela, ela o achara. Marília tinha mudado muito pouco em todos aqueles anos. Continuava linda, mas agora leves traços maduros foram adicionados a aquela beleza juvenil. Seria impossível, sequer se confundir. Era ela. “Oi!” Respondeu, ainda meio tímido.
Mas por que estaria tímido? Ali não era Marília, sua grande cúmplice da juventude? Quantas vezes não confessaram coisas profundas de suas vidas um ao outro... Quantas vezes já não fizeram coisas, juntos, que poucos amigos realmente fariam? Algo estava estranho. O que seria?
Um sorriso simultâneo foi lentamente surgindo. Um abraço? Um beijo no rosto? Por que a hesitação? Quantas vezes, no passado, um simples abraço não teria sido dado tão espontaneamente? Há coisas que só o tempo pode fazer, e uma dessas coisas parece ser esfriar os relacionamentos, os laços entre as pessoas, sejam de amizade ou amor.
Ele foi logo tentando despistar o constrangimento.
“E ai, como está?”
“Estou ótima, e você?”
“Estou bem. E ai, fazendo o que da vida?”
E assim a conversa foi se arrastando – outra palavra bem escolhida. A conversa não estava sendo nem um pouco natural, e conseqüentemente nada agradável. Era como conversar com qualquer outra pessoa ali. Até sua curiosidade para com a amiga havia minguado.
“Que bom.”
“Pois é”.
Entre essas palavras tão mal proferidas, longos minutos as separavam. A festa estava acabando, e nada de proveitoso tinha sido obtido. Pra falar a verdade, talvez tivesse sido melhor não ter ido à reunião. Maldita reunião! Graças a ela descobriu que sua amiga não era mais tão querida assim. Descobriu que todo afeto e confiança que ambos tinham haviam desaparecido. Maldita reunião! Só serviu para descobrir o que o tempo havia feito com sua amiga.
Maldita reunião!
Jardel Leite
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