No intervalo do congresso, entre o coffe-break e algumas piadas sem importância dos participantes, sinto uma daquelas sensações ruins, daquelas que sempre me assolam. Quase um tipo de crise existencial ou algo assim. Esqueço meu copo de conhaque em algum canto, peço licença ao meu companheiro e vou ao banheiro. Depois de lavar meu rosto algumas vezes – isso sempre me ajuda, olho no espelho e ao me encarar me pergunto: Quem sou eu?
Volto pro salão principal e me dou conta de uma terrível verdade: Estou só. Apesar de estar no meio de numa imensidão de pessoas, no entanto estou só. Como gostaria de encontrar, no meio de toda essa gente, alguém que também esteja se sentindo na solidão. Será que encontro?
Olho a minha volta: engenheiros, arquitetos, fornecedores de grandes marcas, empresários da construção civil, investidores... Todos muito ocupados em fazer contatos profissionais uns com os outros. Seria difícil encontrar alguém na mesma situação que a minha. Talvez impossível. Ou não.
Nesse instante, vejo alguém olhando pra mim. Observo bem e ela desvia o olhar. Quem será aquela mulher que me olhava? Será que, assim como eu, também procurava alguém que estivesse se sentindo só? Talvez, por que bonito eu não sou, logo, duvido muito que estivesse me flertando. Caso a primeira hipótese for a verdadeira, então ela obteve êxito antes de mim.
Caminho até ela, e quando percebe que estou em sua direção. A moça, aparentemente, foge de mim. Tento acompanhá-la, mas minha tarefa é árdua: com um salão tão cheio, mal consigo me deslocar.
Mas a alcanço, finalmente. Ela é bonita: cabelos negros, compridos e levemente ondulados, e uma pele bem clara, e de estatura... Bem, normal, não há nada de especial a se dizer da altura. Apesar de ter chegado a pouquíssimo tempo na sacada, ela parece estar muito distraída olhando a lua, ou seria o mar?
Penso rápido, tenho apenas alguns segundos. Estou a alguns passos dela, ela observa atentamente – assim parece – a lua e o mar. Não surge nenhum assunto.
Chego, sem nem ao menos pensar no que digo e vou logo falando:
- Sabia que aqui na Bahia, para muitos marinheiros, os raios da lua sobre o mar não são só o reflexo lunar. Na verdade, são os cabelos de Iemanjá, que vem ver a lua em noite de grande luar.
Arrisquei. Ainda não sei por que diabos toquei nesse assunto, mas fui o mais natural possível. Foi o que veio em mente naquele momento.
- Você é baiano? Indaga-me com olhos meio desconfiados.
- Não, sou cearense, mas quando venho a Bahia gosto de ouvir essas histórias de pescador.
Ela sorriu. Sai-me bem, tocando nesse assunto. Ela continuou:
- Interessante. Conheço algumas tradições baianas, mas essa eu não conhecia. Você faz o quê? Como se chama?
- Sou engenheiro. Me chamo André.
- Sou arquiteta, me chamo Liana. Não é engraçado, nos apresentamos primeiro pela profissão, ao invés do nome.
- É, talvez seja vício de profissão.
Daí não faltou mais assunto. Conversamos sobre várias coisas, desde Le Corbusier e o movimento Bauhaus, até algumas futilidades dos presentes ali naquele congresso.
Com medo de parecer um intelectualóide, mostrando uma cultura que certamente eu não tinha, fui logo encerrando:
- Pois é, apesar de ainda preferir a engenharia à arquitetura, reconheço a sua importância. O desenvolvimento da arquitetura, aqui no Brasil com o Lúcio Costa, Niemeyer... Meio que forçou o cálculo estrutural a se perfeiçoar. Os calculistas tinham que correr, não só pra não ficar pra trás, mas também pra “permitir” que a arquitetura continuasse a se desenvolver, ou, na pior das hipóteses, pelo menos a tornasse prática, vamos dizer assim.
Depois disso, bebendo meu conhaque (eu não o havia perdido em algum lugar?), olhando pra lua, desfrutando a excelente companhia de minha amiga, agradeci a Iemanjá por encontrar Liana, ali, no meio daquela gente toda.
- André, vamos logo, vai recomeçar.
Uma voz masculina me desperta de meu devaneio. Tudo começa a ficar embaçado e a rodar. Fecho os olhos, fricciono-os bem, abrindo-os em seguida.
- Vamos André, vai começar a segunda parte: concreto protendido. Você vai ficar ai, com esse copo na mão, olhando pela janela?
- Espera um momento, cadê a Liana?
- Que Liana? Endoidou ou bebeu demais? Você ficou ai, quase meia hora, olhando pra Lua.
Tudo imaginação minha. Mas será? Me lembrei daqueles versos do Drummond: “ Essa lua e esse conhaque botam a gente comovido como o diabo.”
Jardel Leite
Um comentário:
Ainda que eu pudesse ver com a clareza da mais bela aurora, eu ainda assim estaria confusa. Perdida entre o ter e não poder, entre o querer e não errar.
Tentando conter o mais perfeito desatino, que busco não fazer.
Procurando a verdade nua e crua, do sentir e não estar.
E onde isso tudo poderia parar?!
Entendo que nem mesmo eu, muito menos a Lua poderia responder.
Gostou??!
Amo brincar com as palavras!!
Ps: Não tão bom quanto os seus.
Mas...
Escrevo, sugerindo, penso e me refino, como devo pensar.
Com Deus Sempre!!!
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