sábado, 23 de janeiro de 2010

Balada da irremediável tristeza


Eu hoje estou inabitável...
Não sei por quê,
levantei com o pé esquerdo:
o meu primeiro cigarro amargou
como uma colherada de fel;
a tristeza de vários corações bem tristes
veio, sem quê, nem por quê,
encher meu coração vazio... vazio...

Eu hoje estou inabitável...
A vida está doendo... doendo...
A vida está toda atrapalhada...
Estou sozinho numa estrada
fazendo a pé um raid impossível.
Ah! se eu pudesse me embebedar
e cambalear... cambalear...
cair, e acordar desta tristeza
que ninguém, ninguém sabe...
Todo mundo vai rir destes meus versos,
mas jurarei por Deus, se for preciso:
eu hoje estou inabitável...

Abgar Renault

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

CAIM - José Saramago



Neste novo romance, o vencedor do prêmio Nobel José Saramago reconta episódios bíblicos do Velho Testamento sob o ponto de vista de Caim, que, depois de assassinar seu irmão, trava um incomum acordo com deus e parte numa jornada que o levará do jardim do Éden aos mais recônditos confins da criação. Se, em O Evangelho segundo Jesus Cristo, José Saramago nos deu sua visão do Novo Testamento, neste Caim ele se volta aos primeiros livros da Bíblia, do Éden ao dilúvio, imprimindo ao Antigo Testamento a música e o humor refinado que marcam sua obra.

Num itinerário heterodoxo, Saramago percorre cidades decadentes e estábulos, palácios de tiranos e campos de batalha, conforme o leitor acompanha uma guerra secular, e de certo modo involuntária, entre criador e criatura. No trajeto, o leitor revisitará episódios bíblicos conhecidos, mas sob uma perspectiva inteiramente diferente. Para atravessar esse caminho árido, um deus às turras com a própria administração colocará Caim, assassino do irmão Abel e primogênito de Adão e Eva, num altivo jegue, e caberá à dupla encontrar o rumo entre as armadilhas do tempo que insistem em atraí-los.

A Caim, que leva a marca do senhor na testa e portanto está protegido das iniqüidades do homem, resta aceitar o destino amargo e compactuar com o criador, a quem não reserva o melhor dos julgamentos. Tal como o diabo de O Evangelho, o deus que o leitor encontra aqui não é o habitual dos sermões: ao reinventar o Antigo Testamento, Saramago recria também seus principais protagonistas, dando a eles uma roupagem ao mesmo tempo complexa e irônica, cujo tom de farsa da narrativa só faz por acentuar.

A volta aos temas religiosos serve, também, para destacar o que há de moderno e surpreendente na prosa de Saramago: aqui, a capacidade de tornar nova uma história que conhecemos de cabo a rabo, revelando com mordacidade o que se esconde nas frestas dessas antigas lendas. Munido de ferina veia humorística, Saramago narra uma estranha guerra entre o homem e o senhor. Mais que isso, investiga a fundo as possibilidades narrativas da Bíblia, demonstrando novamente que, ao recontar o mito e confrontar a tradição, o bom autor volta à superfície com uma história tão atual e relevante quanto se pode ser.

domingo, 3 de janeiro de 2010

A Solidão de Mário


Mário sentia-se sozinho naquele apartamento. Era ano novo e todos os seus amigos estavam se divertindo lá embaixo, na praia.

No entanto, Mário decidiu não descer até a praia nesse ano. Sentia-se cansado, exausto de alguma coisa que nem ele saberia ao certo explicar. Não estava muito bem. Bebedeira, música alta, gente de todos os tipos. Queria algo diferente esse ano, mas o quê? Sua família estava lá embaixo, se divertindo. E ele lá, em frente ao computador, revendo algumas fotos do passado. Em que pensaria o rapaz? Alguma amiga especial? Um momento em que se sentia realmente feliz, um momento certamente diferente daquele em que estava? Talvez.

Foi até a cozinha e bebeu um pouco de cerveja, logo depois olhou pela sacada do apartamento. Muito barulho, mal ouvia seus pensamentos. As pessoas lá embaixo pareciam mais formigas. As mesmas formigas que, quando pequeno, costumava assanhar em um formigueiro no interior onde passava as férias escolares. Pegava um graveto e começava a bulir com elas: colocava o mais fundo que podia e depois rotacionava rapidamente de um lado pra outro, cavando finalmente com a pontinha. Elas brotavam como petróleo saindo daqueles poços de extração.

Como era feliz naquele tempo. Sentia-se poderoso, não pensava em nada: não havia preocupações que hoje o afligiam. Não havia pressão dos pais para passar em Medicina no vestibular, assim como todos da família paterna, ou em Direito como todos do lado materno. Poderia até, se quisesse, passar o dia no terreiro, brincando de carimba ou pega-pega com os primos. Descalço como gostava de fazer. Agora não. Tinha responsabilidades, o tempo de “perder tempo com besteiras” tinha passado.

Por que perder tempo, a tarde toda lendo e escrevendo versos se aquilo não era “uma profissão de futuro”? Mário queria ser escritor, um romancista, mas não tinha coragem de contar esse sonho aos pais, eles certamente não entenderiam.

Então Mário teve uma idéia: “Claro, por que não pensei nisso antes!”. E se ele pudesse voltar aos tempos de menino, não seria maravilhoso? Estar livre de qualquer obrigação, não dependeria da aprovação de ninguém para fazer o que quisesse, seria livre até para, se quisesse, mexer à vontade com aquelas formiguinhas lá embaixo.

Decidiu então tentar, seria como na infância: a curiosidade para ver todas aquelas formigas se mexendo lá em baixo, tentando entender o que as perturbara de suas atividades, sua rotina. Então Mário aproximou-se da sacada, subiu no quarda-corpo, pôs-se no lado de fora e olhou lá em baixo dizendo consigo: “Vocês vão ver quem sou eu”. Fechou os olhos e pulou.

Os fogos, a grande explosão de luz nos céus que atraem tantas pessoas todos os anos, chamou mais a atenção do que um vulto caindo, rápido e silenciosamente, naquela noite. Se pudesse, Mário certamente ficaria triste em saber que sua tentativa fracassara. Não conseguiu mexer com nenhuma daquelas formiguinhas. Ele descobriria que não é mais possível voltar ao passado. Algumas coisas fogem de nossa alçada, mesmo quando tentamos desesperadamente manter as coisas como eram. O mundo gira, e nesse ano, Mário pelo menos conseguira uma coisa: estar livre de obrigações. Não teria mais que se preocupar com vestibular ou carreira.

Mário agora estava livre de toda essa loucura.

Do que todos precisam



Todos nós precisamos de alguma coisa, algo que nos deixe feliz, ou simplesmente realizado. Eu mesmo: estou feliz, mas não realizado. E isso é estranho, se pensarmos um pouco no assunto. Mas seria possível alguém ser feliz sem se sentir realizado? Se a resposta for negativa... bem... então acho que não sou tão feliz assim quanto pensei.

Nesses últimos dias parei para pensar um pouco. Não por ser Natal e Ano Novo, período ditos de mudança e reflexão. Parei para pensar justamente por ter tido tempo para fazê-lo: Um recesso de dez dias do trabalho, recesso esse que eles insistem em chamar de férias. Mas férias de dez dias? Bem, mas isso é outra história.

Parei para pensar do que preciso. "Do que preciso" ou "No que preciso"? Sei lá, odeio gramática. Enfim, deixe-me continuar...

Nesse ano, como de praxe, geralmente costumamos fazer uma série de promessas - Promessas essas que muitas vezes não duram uma ou duas semanas, quando a poeira baixa. Mas acho que se eu conseguir apenas realizar o que planejei para 2009 esse ano, então já me tornarei um pouco mais "realizado". Mas se for para tentar um novo pedido, ou promessa, me comprometo a ter mais disciplina. Exatamente: DISCIPLINA.

Parece besteira, mas foi nesse ano que realmente absorvi o significado dessa palavra. Tenho tantos planos, tantos... talvez esse seja outro problemas: planos em demasia. Acabo não fazendo nada, só me decidindo por onde começar. Continuar essa faculdade, que é apenas um degrau para chegar onde quero, ou ir logo, tentar a faculdade que realmente desejo? Se assim o for, terei de abrir mão de algumas coisas... ai ai... olhe, acho que aquela frase cabe perfeitamente para mim: "Ele não sabe nem o que quer da vida".

Tenho alguns cursos que quero fazer (que batem o horário com a faculdade, para fazê-los terei que trancar a faculdade por um semestre), tenho alguns cursos de língua estrangeira que quero me matricular (só posso um, por questão de tempo: inglês ou francês, se bem que o espanhol, ultimamente, também tem se candidatado ao pário).

Disciplina! Uma coisa de cada vez! Mas começar por onde? Estou com medo de cometer os mesmos erros que cometi em 2009, e isso seria imperdoável. Muitos precisam de planos, eu preciso de disciplina, acho que no momento é isso que me falta.

Deixando meus problemas um pouquinho de lado, desejo nesse ano que acabou de chegar, que todos consigam realizar o que planejam (ou planejaram).

Um feliz ano novo a todos!