domingo, 3 de janeiro de 2010

A Solidão de Mário


Mário sentia-se sozinho naquele apartamento. Era ano novo e todos os seus amigos estavam se divertindo lá embaixo, na praia.

No entanto, Mário decidiu não descer até a praia nesse ano. Sentia-se cansado, exausto de alguma coisa que nem ele saberia ao certo explicar. Não estava muito bem. Bebedeira, música alta, gente de todos os tipos. Queria algo diferente esse ano, mas o quê? Sua família estava lá embaixo, se divertindo. E ele lá, em frente ao computador, revendo algumas fotos do passado. Em que pensaria o rapaz? Alguma amiga especial? Um momento em que se sentia realmente feliz, um momento certamente diferente daquele em que estava? Talvez.

Foi até a cozinha e bebeu um pouco de cerveja, logo depois olhou pela sacada do apartamento. Muito barulho, mal ouvia seus pensamentos. As pessoas lá embaixo pareciam mais formigas. As mesmas formigas que, quando pequeno, costumava assanhar em um formigueiro no interior onde passava as férias escolares. Pegava um graveto e começava a bulir com elas: colocava o mais fundo que podia e depois rotacionava rapidamente de um lado pra outro, cavando finalmente com a pontinha. Elas brotavam como petróleo saindo daqueles poços de extração.

Como era feliz naquele tempo. Sentia-se poderoso, não pensava em nada: não havia preocupações que hoje o afligiam. Não havia pressão dos pais para passar em Medicina no vestibular, assim como todos da família paterna, ou em Direito como todos do lado materno. Poderia até, se quisesse, passar o dia no terreiro, brincando de carimba ou pega-pega com os primos. Descalço como gostava de fazer. Agora não. Tinha responsabilidades, o tempo de “perder tempo com besteiras” tinha passado.

Por que perder tempo, a tarde toda lendo e escrevendo versos se aquilo não era “uma profissão de futuro”? Mário queria ser escritor, um romancista, mas não tinha coragem de contar esse sonho aos pais, eles certamente não entenderiam.

Então Mário teve uma idéia: “Claro, por que não pensei nisso antes!”. E se ele pudesse voltar aos tempos de menino, não seria maravilhoso? Estar livre de qualquer obrigação, não dependeria da aprovação de ninguém para fazer o que quisesse, seria livre até para, se quisesse, mexer à vontade com aquelas formiguinhas lá embaixo.

Decidiu então tentar, seria como na infância: a curiosidade para ver todas aquelas formigas se mexendo lá em baixo, tentando entender o que as perturbara de suas atividades, sua rotina. Então Mário aproximou-se da sacada, subiu no quarda-corpo, pôs-se no lado de fora e olhou lá em baixo dizendo consigo: “Vocês vão ver quem sou eu”. Fechou os olhos e pulou.

Os fogos, a grande explosão de luz nos céus que atraem tantas pessoas todos os anos, chamou mais a atenção do que um vulto caindo, rápido e silenciosamente, naquela noite. Se pudesse, Mário certamente ficaria triste em saber que sua tentativa fracassara. Não conseguiu mexer com nenhuma daquelas formiguinhas. Ele descobriria que não é mais possível voltar ao passado. Algumas coisas fogem de nossa alçada, mesmo quando tentamos desesperadamente manter as coisas como eram. O mundo gira, e nesse ano, Mário pelo menos conseguira uma coisa: estar livre de obrigações. Não teria mais que se preocupar com vestibular ou carreira.

Mário agora estava livre de toda essa loucura.

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