sexta-feira, 25 de junho de 2010

A Fazenda


Tudo mudara ali. O que teria acontecido àquelas grandes palmeiras em frente da casa grande? E os coqueiros, muitos, em tamanho e quantidade, que tanto agradavam a vista de todos? Aqueles coqueiros que ficavam lá atrás e sempre forneciam boa água aos netos, filhas, genros e noras que sempre visitavam o lugar nas férias ou feriados prolongados.

O que aconteceu ali? Não fazia nem dez anos que ele partira e tudo se deteriora de tal forma que é impossível não comparar o passado com o presente, não sem ao menos derramar uma lágrima de saudade e pesar.

Assim é a vida: quando uns nos deixam, outros assumem como deve ser a ordem natural das coisas. Mas o que entristece não é isso. O que se deteriora não é só o lugar, melhorado em alguns pontos e esquecido em outros, e sim, nossa memória. Quem não se lembra dos maravilhosos banhos de cachoeira e/ou açude com toda a família reunida. Fotos, brincadeiras, bóias (enormes câmaras de ar de algum caminhão ou trator da fazenda). Hoje as coisas mudaram. O açude continua ali. As câmaras de ar também. Mas falta algo. O que será?

A dispensa, antes farta, hoje falta quase tudo. Onde estarão todas aquelas frutas que agradavam não só o paladar, mas também nossa vista? Uma jarra de suco diferente no café da manhã e outro no almoço. E já falando em frutas... O pé de sirigüela, do lado do galinheiro, onde eu já subi tantas vezes acompanhando meus primos, mesmo tendo um medo enorme de cair de lá.

Hoje até os peixes, enormes carás que sobravam o suficiente até para os visitantes levarem uns pra casa, parecem ter notado a diferença: por algum motivo eles sumiram: não os vejo e nem ouço falar. Pra onde foram? Na certa continuam em minha memória, onde meu avô retirava as espinhas para mim, quando eu era muito pequeno. Privilégio só dado a mim, despertando uma leve indignação nos outros primos. Sempre disseram que fui o favorito, sendo isso verdade ou não, isso não importa agora. O que importam são as lembranças daqueles tempos onde não havia diferenças e todos se sentiam bem em estar com todos.

Sempre que vou pra lá é impossível não se lembrar dos que já foram: Meu avô, em sua rede, ouvindo seu radinho de pilha, logo depois do almoço. “Façam silêncio e saiam daí! Seu avô está tentando dormir”, dizia minha avó. E mesmo agora lembrando a situação e admitindo, hoje, que realmente fazíamos barulho enquanto ele dormia, meu avô nunca se levantou da rede e brigou conosco.

Ou no final da tarde, antes de escurecer, quando ele pedia minha ajuda com umas enormes mangueiras, onde depois de aguar algumas plantas (não sei nem se elas ainda existem, provavelmente não) nós dobrávamos as mangueiras de um modo muito dele: cada um segurava a mangueira em uma das extremidades e depois caminhávamos em direção um ao outro, em seguida um de nós segurava as pontas enquanto o outro segurava o lado com a dobra, afastando-se e repetindo o processo até a mangueira ficasse com um comprimento e que pudesse ser colocada no canto da calçada, sem ocupar muito espaço.

As bananadas dele eram fabulosas. Confesso que hoje em dia ao fazer minha bananada todas às manhãs antes de ir trabalhar, é nele que me inspiro: “Como é que o vô Franci fazia? Uma banana, duas colheres de farinha láctea, uma de Neston, Leite em pó...” Pena que nunca consigo acertar o ponto. Se na época soubesse o quanto ia sentir falta dessa bananada certamente teria anotado a receita!

Lembranças também do meu pai: na garagem da caminhonete, onde ele me ensinou a andar de bicicleta; No alpendre da frente do terreiro, em frente sua casinha, assoprando as casquinhas de alpiste da comida de seus muitos passarinhos (vale lembrar que, eu sendo seu filho, como “herdeiro natural”, nem sequer fiquei sabendo que fim levou os bichinhos. Soltos ou vendidos? Por quem? Não deveriam ter ao menos perguntado algo a mim? Talvez não, afinal, para todos, eu nem ligava pro meu pai, o que nada mais foge da verdade: Amava meu pai, apesar de tudo).

Lembro também que nas noites de chuva forte ele gostava muito que eu ou meu irmão dormíssemos com ele, cada numa rede, sentindo os pinguinhos de chuva caírem de leve do tosco telhado. E como não lembrar o som que ele fazia ao bater os dedos no peito acompanhado de um assobio, com uma musiquinha que tento me lembrar da melodia com detalhes, mas não consigo. Seria exigir demais da minha memória.

Meu tio, que também nos deixou, com sua enorme barriga e seu umbigo pra fora, onde sempre deixava nossas bocas abertas: “Olha só o tamanho do umbigo do tio Istênio!”. Fácil lembrar também quando saia pra trabalhar, fiscalizar os trabalhadores no corte da cana: meu tio sempre levava consigo uma barrinha, parecida com um tijolinho, de rapadura e uma garrafa “pet” com água congelada.

A fava que ele sempre trazia... Hum... Bons tempos aqueles!

Mas hoje, as coisas mudaram. Nada mais lá é como antigamente. O local onde meu avô guardava os “ingredientes da famosa bananada” hoje está abandonado, tomado por baratas. Da última vez que visitei a antiga casinha do meu pai, o lugar agora tinha se tornado um depósito de velharias, com enormes tonéis com milho, óleo diesel, ou coisas do gênero. Fico triste ao passar por lá, é inevitável.

Mas às vezes me pergunto por que as coisas tinham que ter caminhado assim. Quando meu avô morreu, as coisas pioraram e isso é verdade. Mas já se passaram dez anos, não tinha como as coisas já terem melhorado? Sim, por que a área de corte de cana continua a mesma, ou seja, a renda proveniente de lá provavelmente continua a mesma, do tempo do meu avô. Nem houve nenhuma grande seca ou grande inundação, pra destruir tudo. É estranho, eu queria entender! Talvez se eu a olhasse com os olhos do atual administrador obteria uma resposta. Ou pior: Não gostaria da resposta encontrada!

Mas não quero entrar em detalhes desse tipo, isso me revoltaria cada vez mais e não quero macular a imagem que eu tenho do lugar com esse tipo de pensamentos. Fico mais triste em pensar que meus filhos talvez não vejam o que eu vivi. Esse texto está me lembrando o romance de José Lins do Rego: Menino de Engenho.

Mas uma coisa eu sei: Quando minha avó for também, as coisas lá vão melhorar! Lugares antes esquecidos serão lembrados: onde há anos o mato tomou conta, serão capinados; o pequeno pomar abandonado será reativado; o galinheiro voltará a ter sua área bem definida; uma pintura geral na casa será feita; e talvez quem sabe, até aquelas grandes palmeiras voltem a aparecer!

Jardel Leite


quinta-feira, 24 de junho de 2010

Eva Vênus


Longe de ser pornografia... é arte!

domingo, 20 de junho de 2010

LUTO - José Saramago

Em um dia absolutamente comum, dia 18/06, um dia desses, como ontem ou amanhã, enquanto resolvia um problema financeiro de um operário, meu telefone celular toca: minha namorada. Penso em atender depois, já que estava ocupado, mas pedi licença e saí da sala. Do lado de fora atendo, ela vai logo dizendo:

- Amor, sabe da última?
- Não, o que foi?
- O José Saramago, você já sabe?

Já pressentindo a tragédia, e com medo do que iria ouvir pergunto:

- O que foi?
- Morreu!

Após um natural silêncio de quatro ou cinco segundos ao telefone, ela quebra o silêncio:

- Faleceu hoje!

Me senti estranho. Tantos anos de atividade literária do escritor só há pouco conheci sua obra. Em Janeiro último li seu último livro, CAIM. Leitura que me marcou muito: o primeiro contato com o estilo "Saramaguiano". Desde este dia acompanho quinzenalmente seu blog ( http://caderno.josesaramago.org), onde encontro sempre sábias palavra do autor.

Num lugar maravilhoso, nas Ilhas Canárias, ao lado de sua esposa, tão amada e amiga , Pilar Del Rio, nosso Nobel de Literatura passou do "Estar para simplesmente deixar de estar" entre nós. Em Lanzarote, ilha no meio do Atlântico, seu "auto-exílio", o autor passou seus últimos anos.

A história de Saramago de amor entre Saramago e Pilar (uma diferença de quase 30 anos) será retratada em um filme/documentário daqui para o final do ano (provavelmente em Novembro, aniversário do escritor).

Uma infância pobre, com apenas dois livros (nenhum deles era pertencente a família), com avós e pais analfabetos, e como única formação acadêmica um curso técnico, seu primeiro emprego foi como serralheiro mecânico. Saramago nunca se envergonhou de seu passado humilde, disse que se pudesse repetiria tudo o que viveu. E mais: em seu discurso ao receber o Nobel ele diz: "O homem mais sábio que já conheci na vida não sabia ler nem escrever", relembra do avô, criador de porcos.

Resta agora minhas saudações a esse grande escritor, que apesar de ser ateísta convicto, disse uma vez: "Não sou de todo ateu, todos os dias tento encontar um sinal de Deus, mas infelizmente não encontro". Certamente Saramago passou da vida terrena, não para o vazio do nada, como assim o autor acreditava, mas passou para uma outra vida, a vida da existência nos livros e na memória dos viventes!

Au revoir mon ami!