sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Elegia de um velho Escritor


Ao olhar para dentro de si,
lembrando de sua vida já muito gasta
Um velho tenta escrever um poema.

Lembra fatos, pessoas e paisagens
Tudo roda em sua mente, mas nada sai ao papel.
Horas se passam, dias talvez (como saber?)
E o velho mira o papel, sofrendo por não escrever.

Ele pensa que, caso pereça antes de cumprir seu propósito
Sua vida terá sido incompleta
Já amou mulheres, plantou árvores, o que resta é o poema
Mas nada lhe sai. Só o silêncio.

Esforça-se em pensar no que escrever:
Sua esposa falecida, seu filho médico, seu tempo na guerra,
Uma nova filosofia, um tratado sobre a paz mundial...
Ou quem sabe apenas a receita de seu doce de leite
(Seria uma pena, morrer sem passar o segredo).

Fecha os olhos. Viaja pelo mundo de seus pensamentos,
Nem mesmo suas memórias o ajudam, e sua aflição cresce.
Os netos e irmãos se preocupam: Já não come ou dorme!
Seus olhos fundos denunciam seu tempo.

E o velho sofre. Não tanto pelo poema
Mas pelos filhos e netos, que não entendem seu propósito.

Numa manhã, já a sol bem alto, a menina mais velha
Ao dormir na casa do avô, encontra-o já desfalecido
com o caneta já caída de sua mão inerte
e o pequeno caderno em seu colo,
com apenas uma frase, a primeira e última:

 "Nada levo desta vida, mas o que deixar?"


Jardel Leite