quinta-feira, 25 de abril de 2013

Uma dança



Tudo por uma dança. Tudo que eu queria agora era dançar com você. Uma musica bem baixinho, só a gente. Nenhuma específica, só uma que fosse especial. Alguma que pudéssemos lembrar algo só nosso.

Dançar e te abraçar. Seria uma boa desculpa para te ter perto de novo e sentir teu cheiro, alguns fios do teu cabelo entrando na minha boca ou no meu olho, como sempre acontecia quando estávamos abraçados. Eu poderia sentir tua cintura, trazê-la sutilmente para perto de mim enquanto você apoia seu queixo no meu ombro, de olhinhos fechados. A música entraria por dentro dos meus ouvidos e, por estar colado aos meus, passaria aos seus.

Há algo mais simples e inofensivo do que uma dança? Principalmente uma dança nessas condições? E por que raios eu nunca dancei com você em tanto tempo juntos? E por quanto tempo, e por quais outros motivos, eu continuaria fugindo de você, sem nos proporcionar esse prazer?

Talvez o mais triste disso tudo tenha sido eu não perceber que você já nem insistia mais. E hoje eu danço com você, todas as noites. Sempre uma música diferente, no meu quarto. Mesmo sem saber dançar, mas sei que você está gostando. Não tanto pela dança em si (ou minha questionável performance), mas mais pelo fato de eu estar tentando.

Minha cama, nossas fotos, meus livros – todos testemunhas dessa elegia. Elegia que se repete todas as noites, quando aquele passarinho azul (tailandês) começa a cantar no meu peito, mas que como na poesia de Bukowski, eu só deixo sair à noite... quando todos estão dormindo.

Jardel Leite




domingo, 21 de abril de 2013

Sobre os relacionamentos



"O interessante é que eu encontrei Annie outra vez. Ela tinha se mudado para NY e estava morando com uma cara qualquer(...). Annie e eu almoçamos juntos tempos depois... e recordamos os velhos tempos.

Depois ficou tarde e tivemos de ir embora. Mas gostei muito de revê-la e percebi que ela era uma pessoa fantástica e que foi bom conhecê-la. E ai me lembrei daquela velha piada em que o sujeito vai ao psiquiatra e diz: 

- Doutor, meu irmão é louco. Ele acha que é uma galinha.
- E por que é que você não o interna?
- Até internava, mas é que eu preciso dos ovos.

É mais ou menos o que sinto sobre os relacionamentos. A grande maioria deles são totalmente irracionais, loucos e absurdos... mas nós vamos aguentando porque precisamos dos ovos."

Trecho tirado da cena final de Noivo Neurótico, Noiva Nervosa, de Woody Allen.

terça-feira, 16 de abril de 2013

Além do Amor


Se tu queres que eu não chore mais
Diga ao tempo que não passe mais
Chora o tempo o mesmo pranto meu
Ele e eu, tanto
Que só para não te entristecer
Que fazer, canto
Canto para que te lembres
Quando eu me for

Deixa-me chorar assim
Porque eu te amo
Dói a vida
Tanto em mim
Porque eu te amo
Beija até o fim
As minhas lágrimas de dor
Porque eu te amo, além do amor!

Vinícius de Moraes 

sábado, 6 de abril de 2013

Enquanto vida eu tiver



Ouça o que vou lhe dizer
Vida longa não alcanço

Na orgia ou no prazer,
Mas enquanto eu não morrer
Bebo, fumo, jogo e danço.
Me censure quem quiser.

Enquanto vida eu tiver
cumprindo esse sina venho
E além dos vícios que tenho
Sou perdido por mulher!

- Poeta Sesyom (trecho do filme o 'Homem que desafio o Diabo')

quinta-feira, 4 de abril de 2013

Testamento







O que não tenho e desejo
É o que melhor me enriquece.
Tive uns dinheiros — perdi-os...
Tive amores — esqueci-os.
Mas no maior desespero
Rezei: ganhei essa prece.

Vi terras da minha terra.
Por outras terras andei.
Mas o que ficou marcado
No meu olhar fatigado,
Foram terras que inventei.

Gosto muito de crianças:
Não tive um filho de meu.
Um filho!... Não foi de jeito...
Mas trago dentro do peito
Meu filho que não nasceu.

Criou-me, desde eu menino
Para arquiteto meu pai.
Foi-se-me um dia a saúde...
Fiz-me arquiteto? Não pude!
Sou poeta menor, perdoai!

Não faço versos de guerra.
Não faço porque não sei.
Mas num torpedo-suicida
Darei de bom grado a vida
Na luta em que não lutei!


Manuel Bandeira

quarta-feira, 3 de abril de 2013

BlueBird


Há um pássaro azul no meu coração
que quer sair;
mas eu sou muito duro com ele,
eu digo, fica aí dentro, não vou deixar
ninguém
te ver.

Há um pássaro azul no meu coração
que quer sair
mas eu despejo whisky nele e inalo
fumaça de cigarro
e as putas e os garçons dos bares
e os funcionários da mercearia
nunca saberão
que ele está
ali.

Há um pássaro azul no meu coração
que quer sair
mas eu sou muito duro com ele,
eu digo,
fica quietinho, você quer
me confundir?
quer estragar o
meu trabalho?
quer arruinar as minhas vendas de livros
na Europa?

Há um pássaro azul no meu coração
que quer sair
mas eu sou muito esperto, só o deixo sair
às vezes à noite
quando todos estão dormindo.
eu digo, eu sei que você está aí,
então não fique
triste.

Depois coloco-o de volta,
mas ele canta baixinho
aqui dentro, não o deixo morrer
completamente
e dormimos juntos
assim
com o nosso
pacto secreto
e é agradável o suficiente
para fazer um homem
chorar, mas eu
não choro,
e você?

Charles Bukowski