segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

O Penhasco da Noite

Tudo era tão frio ali. A impressão era que acabara de chover, ou estivesse prestes a cair um temporal. Ali, do alto do rochedo, tudo parecia insignificante: os grandes navios que, da distância pareciam serem de papel; um pequeno risco no horizonte onde, mais próximo poderia-se reconhecer ser o continente; as pedras lá embaixo que, da queda quase vertical do penhasco matariam facilmente qualquer um, ali em cima não representavam mais do que pequenos pontos na visão e que qualquer que tivesse o menor problema de visão já não os veria. Tudo relativo.

Como ele viera parar ali? Com um rápido olhar pelo perímetro podia-se ver claramente a impossibilidade de uma escalada. E se assim fosse, onde estariam os equipamentos de alpinismo? Absurda hipótese. Mais absurdo ainda seria o pouso de algum aeroplano com o uso de pára-quedas. Mas isso já não importava. Sentia-se imortal. Era imortal, porém não invencível. O passar do tempo já não importava. Só podia sentir a imensidão, o frio, e a chuva que, de leve, já dava sinais de retornar. A água parecia banhar-lhe os ossos.

O vento, igualmente frio, trazia consigo lembranças, sensações e imagens distantes. Imaginava por onde, esse mesmo vento que agora lhe açoita o rosto, estivera antes de lhe encontrar e onde estará em seguida.

Sentia que poderia passar a noite ali. A noite que agora, timidamente, surgia, atrasada, dava sinais de sua presença como um ator que por pouco se esquece da hora certa em surgir no palco, deixando os outros personagens preocupados se suas atuações seriam prejudicadas pelo atraso do companheiro.

Sua vista parecia mais aguçada, sentia que poderia ver até dentro das almas das outras pessoas, mas não havia ninguém ali. Só o oceano a sua frente. Olhou para o mar, pode sentir um vazio inenarrável. Sentiu-se como um peixe daquele mar, sozinho no escuro, com o peso assustador de um oceano gelado nas costas. Imaginou-se nadando até a superfície e dando de encontro com uma sólida camada de gelo impedindo seu contato com o ar.

Desde que dera conta de sua presença naquele rochedo, sabia que não poderia mais encontrar outras pessoas. Estava condenado a vagar infinitamente, com seus olhos, por aquelas águas. Talvez o navio que vira a pouco, na distância, fosse o terrível Holandês Voador à sua procura. Sentiu vontade de se esconder, ficar calado, esperando impacientemente que a noite passasse, com a esperança de não ser achado por Davy Jones, o demônio dos sete mares. Além disso, tinha medo do escuro. Pensava que, depois de anoitecer, ele não poderia mais ver a luz do dia, sentir, nem que fosse por alguns segundos, o calor do sol pela manhã.

Mas o navio sumira. Talvez mergulhado no fundo do mar, com as almas dos suicidas marítimos. Mas ele não era suicida. Nem ao menos sabia se tinha morrido. Caso já estivesse morto, lhe passou pela cabeça, o “outro lado” não era tão interessante assim.

Só podia estar sonhando. Fechou os olhos com força. Tentou tapar os ouvidos com o intuito de não ouvir mais aquele vento que agora, bem mais do que antes, estava começando a lhe causar medo.

Será que quando abrisse os olhos, continuaria ali?

Abriu os olhos: o navio sombrio surgiu no horizonte vindo em sua direção. É, agora tudo acabou.
 
Jardel Leite

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